domingo, 19 de setembro de 2010

um lugar

sobre o gesto


A conversa esses dias tem sido acerca do gesto. O encontro de uma peculiar qualidade de movimento com sua existência espaço temporal em determinado contexto escolhido, nesse caso o Largo do Machado e seu redor.Atentar ao cotidiano,às diversas dinâmicas que habitam esse espaço específico em um minucioso exercício de observação e relação.

É nesse cotidiano que existe o gesto e é também nesse lugar que se podem reconhecer diferentes maneiras do que esse cotidiano habitualmente compreendido como banal, comum, normal, poderia vir a ser. As definições buscam caminhos para apropriar-se de algo que talvez seja impossível de ser apropriado, que só existe se vivido. Um movimento que a partir do momento que passa a ser considerado coisa, perde suas potencialidades de ser e exaspera uma artificialidade que não cabe no seu acontecer.

A etimologia dessa palavra ressalta aquilo que é de todos os dias. O que é de todos os dias senão a própria vida?

É nesse observar o dia a dia e perceber-se ao mesmo tempo dentro dele, que aparecem possibilidades de se trabalhar o gesto que pode comunicar uma poética da praça. Através de estratégias que vão sendo criadas e experiênciadas uma certa qualidade pode emergir e falar sobre si mesma.

Nesse sentido, essa qualidade comunica um gesto que não desaparece no “normal” do cotidiano, nem tampouco salta para fora do contexto de seu acontecimento. É um gesto que está em seu lugar e se possibilita enquanto acontecimento ao evocar contextos e presenças que habitam o espaço entorno.

Uma estratégia possível de acessar esse lugar do gesto é a vivencia interessada na mudança das atenções que ocorrem em nosso corpo a cada instante. Se me permito observar o caminho dessas atenções, ou como a luz que muda no chão imprime um deslocamento espacial em massa das pessoas que habitam esse entorno para a sombra ou em como o vento que sopra nessa direção indica em meus pelos a direção de um braço que levanta, posso vivenciar um estar que imprime algo mais, uma escuta, um estar com, um como.

Assim, o gesto de banal torna-se comum. Um movimento de reconhecimento das possibilidades de jogo com os movimentos que lá já estão, com as dinâmicas que somente ali aparecem, com as temporalidades específicas daquele espaço. Tudo cabe nesse gesto que ultrapassa essa fronteira em que não é mais de ninguém, mas ao mesmo tempo ainda pertence a todos. É possível reconhecer nessa dança do gesto, a velhinha, o pombo, a textura do asfalto e a luciana que fala de todas essas coisas, sendo essas coisas, mas continuando a ser luciana.

O gesto não comunica algo fora dele, mas sim à ele mesmo, e aí é possível reconhecer o que o torna especialmente comum. Ser comum, por habitar esse movimento comum. Ser comum por estar em mim e em todos. Ser comum por que cada um no seu fazer pode acessa-lo de sua maneira, imprimindo uma peculiaridade reconhecível em qualquer um, mas que nesse momento é através de um corpo que se fala a si próprio.

Isso é dança.